terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Num dia de chuva



Era um dia normal, como todos os outros dias da sua vida. Parecia que naquele nada iria ser diferente, nada de novo iria acontecer. Seria como sempre. Levantar à hora devida, tomar banho, passar os cremes do costume e fazer a maquilhagem que fazia todos os dias, aquela que era mais adequada para trabalhar, escondendo todos os defeitos do rosto, e não realçando nenhuma qualidade especial. A roupa seria em tons de preto e cinzento, sóbria o suficiente para disfarçar o ar de menina que ainda mantinha, e que os caracóis do cabelo insistiam em lhe conferir.

Saiu de casa e entrou noutra rotina, no caminho que a levaria ao seu local de trabalho. Chovia torrencialmente, tinha de conduzir devagar com os limpa pára-brisas em velocidade máxima. Só pensava que iria demorar mais tempo do que o costume a fazer os 5 quilómetros de estrada que separavam a sua casa do escritório onde trabalhava. Iria chegar atrasada e isso significaria ter de ficar a trabalhar até mais tarde. Tinha tanto para fazer...tinha de responder aquele e-mail, rever o outro documento e ainda estabelecer aquele outro contacto.

A rádio passava anúncios. Ela detestava estar no trânsito a ouvir anúncios. Mudou de estação na esperança de que noutra estação estivesse a dar uma música com muito ritmo, precisava disso para se manter animada e não pensar em tudo o que a esperava quando entrasse naquele ambiente cinzento de cheiro tão característico que era o seu escritório - aquele cheiro de papel e de alcatifa diariamente aspirada.

Não encontrou em estação alguma a música que lhe apetecia ouvir. No trânsito, continuava parada. Então olhou para o lado e viu a mota parada debaixo do viaduto. O condutor procurava abrigar-se por momentos da chuva forte. Ajustava o casaco com uma esperança de não se molhar, esperança essa que, aos olhos dela, lhe parecia vã...nada o poderia proteger daquela chuva.

Não lhe conseguiu ver os olhos, mas com vergonha de ver os olhos dele reflectidos nos seus, procurou evitá-los.

E se ela parasse? E se ela oferecesse ajuda?

Foram apenas uns segundos, o trânsito permitiu avançar e ela não hesitou, continuou o seu caminho deixando o homem da mota para trás. No entanto a dúvida persistiu. E se ela tivesse parado? E se ela lhe tivesse oferecido ajuda?

E foi a vontade de o teve feito, e a leveza de saber que se tivesse ficado mais do que um segundo parada naquele sítio algo teria acontecido. E foi no instante em que tomou essa consciência que o seu dia deixou de ser normal, que aconteceu algo de completamente diferente: porque algo em si mudou!