Era um dia normal, como todos os outros dias da sua vida. Parecia que naquele nada iria ser diferente, nada de novo iria acontecer. Seria como sempre. Levantar à hora devida, tomar banho, passar os cremes do costume e fazer a maquilhagem que fazia todos os dias, aquela que era mais adequada para trabalhar, escondendo todos os defeitos do rosto, e não realçando nenhuma qualidade especial. A roupa seria em tons de preto e cinzento, sóbria o suficiente para disfarçar o ar de menina que ainda mantinha, e que os caracóis do cabelo insistiam em lhe conferir.
Saiu de casa e entrou noutra rotina, no caminho que a levaria ao seu local de trabalho. Chovia torrencialmente, tinha de conduzir devagar com os limpa pára-brisas em velocidade máxima. Só pensava que iria demorar mais tempo do que o costume a fazer os 5 quilómetros de estrada que separavam a sua casa do escritório onde trabalhava. Iria chegar atrasada e isso significaria ter de ficar a trabalhar até mais tarde. Tinha tanto para fazer...tinha de responder aquele e-mail, rever o outro documento e ainda estabelecer aquele outro contacto.
A rádio passava anúncios. Ela detestava estar no trânsito a ouvir anúncios. Mudou de estação na esperança de que noutra estação estivesse a dar uma música com muito ritmo, precisava disso para se manter animada e não pensar em tudo o que a esperava quando entrasse naquele ambiente cinzento de cheiro tão característico que era o seu escritório - aquele cheiro de papel e de alcatifa diariamente aspirada.
Não encontrou em estação alguma a música que lhe apetecia ouvir. No trânsito, continuava parada. Então olhou para o lado e viu a mota parada debaixo do viaduto. O condutor procurava abrigar-se por momentos da chuva forte. Ajustava o casaco com uma esperança de não se molhar, esperança essa que, aos olhos dela, lhe parecia vã...nada o poderia proteger daquela chuva.
Não lhe conseguiu ver os olhos, mas com vergonha de ver os olhos dele reflectidos nos seus, procurou evitá-los.
E se ela parasse? E se ela oferecesse ajuda?
Foram apenas uns segundos, o trânsito permitiu avançar e ela não hesitou, continuou o seu caminho deixando o homem da mota para trás. No entanto a dúvida persistiu. E se ela tivesse parado? E se ela lhe tivesse oferecido ajuda?
E foi a vontade de o teve feito, e a leveza de saber que se tivesse ficado mais do que um segundo parada naquele sítio algo teria acontecido. E foi no instante em que tomou essa consciência que o seu dia deixou de ser normal, que aconteceu algo de completamente diferente: porque algo em si mudou!
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